quarta-feira, 21 de março de 2012

Por favor não morras de mím!

Por favor não morras de mím, pede Xavier a Claúdia no romance de Manuel Alegre A Terceira Rosa. De todas as formas que há de morrer a mais dolorosa será certamente a de morrer de amor. Embora esta ideia possa parecer poética ou mesmo fantasiosa é de facto verdade que se pode morrer de alguém quando permitimos que esse alguém se torne todo o nosso ser e a nossa razão de existir anulando-nos perante esse alguém. Dois dos arquétipos identificados por C.G. Jung são a anima e o animus, a energia femenina do homem e a energia masculina na mulher respectivamente. Essa energia encontra-se dentro de cada um e é ela que cria imagens oníricas da mulher ou homem ideal, é igualmente esta energia que nos faz buscar aquilo que se chama em linguagem coloquial a outra metade. Quando esta energia é utilizada de forma correcta e saudável acontecem as experiências mais maravilhosas que o ser humano pode experienciar durante a sua travessia carnal, se for mal dirigida esta energia enferma dando azo a diversas neuroses que poderiamos dizer o animus controla todo o ser de uma dada mulher ou o anima o de um certo homem controlando-o e tornando-o dependente de elementos que lhe são externos e que de veras o fazem morrer de alguém.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Os caminhos do EU

Eu não sou eu nem o outro mas algo que me transcende e transporta para uma dimensão totalmente distinta da consciência. Quem sou eu? Sou todo o caminho percorrido até ao momento presente, um ir e vir constante, avanço e retrocesso nas conquistas diárias do que julgo saber e não sei mas aprendo e reaprendo a cada nova experiência como a criança que tenta desenhar algo que a impressionou, olha para o desenho no final do lavor e rasga-o porque este não satisfaz a sua vontade de ser fiel àquela impressão, não sendo capaz de tranpôr na totalidade o que sentiu, viu ou conheceu. Estes são os caminhos do EU! Caminhos de afirmação e auto-conhecimento mas essencialmente de compreensão e controlo. É notório que os mitos mais antigos confiram à Palavra um poder criador, Ptah cria o cosmos pela palavra no antigo Egipto e o Genesis escreve: Deus disse... Do mesmo modo a literatura antiga dota a Palavra escrita ou oral de capacidade dominadora, nomear é controlar, razão pela qual o verdadeiro nome dos deuses nunca é conhecido, Isís por exemplo detinha vários nomes e o Deus biblico jamais é nomeado, no entanto autoriza Adão a dar um nome a todos os elementos da sua criação, animais, plantas, rochas... Quer portanto isto dizer que nomear, definir, catalogar ou tipificar é fulcral para o ser humano, é através dessa acção que atinge o sentido íntimo das coisas embatendo nos processos neuróticos quando desconhece a natureza dos objectos ou o significado não condiz com o significante, o mesmo será dizer quando o pensamento/moral não está de acordo com a acção. A construção de uma Identidade, pois não há nada mais íntimo e pessoal do que o EU, é um processo complexo e moroso que segue a mesma regra de todos os logros humanos, tentativa-erro. Todos os valores que imputamos a nós mesmos são tentativas, apenas vingando todos aqueles que ao longo do transcurso vital forem-se provando como eficazes e verdadeiros para o índividuo. Algo de que nunca nos podemos esquecer é de que enquanto individuos temos um Passado, um Presente e por certo teremos um Futuro, não somos nem de ontem, nem de hoje e muito menos do amanhã mas o resultado de muitas épocas enquanto Seres Humanos. Em toda a mente humana há um Ir e um Regressar, um enviar e receber mensagens traduzindo-se em demência quando a viagem só se efectua num sentido ou de uma forma deturpada. A própria concepção do EU é tributária do OUTRO pois que se não existem outros seres humanos como iria saber que se pode ser diferente? Como teria ensejo de me questionar e à validade das minhas suposições se não pudesse confrontar-me com outras vivências? O Outro é uma extensão do Eu, a forma como eu interpreto o Outro só depende de mim, isto é, dos meus valores e concepções do que é certo ou errado. Contudo e excepto casos patológicos em que o Outro deixa de ser entendido como uma extensão para ser visto como uma Cópia impondo padrões de comportamento pela força e não pela razão, olhar o outro é colocarmo-nos em questão, tanto pela negativa como pela positiva. Pela negativa quando criticamos algo e acabamos por tomar consciência do ridiculo ou nefasto que parecemos quando reagimos da mesma forma que acabamos de criticar, enquanto que pela positiva será através do exemplo ou sucesso alheio que despoletará em nós uma vontade de mudança e adaptação. São as experiências e a interpretação que fazemos delas que nos moldam criando personalidades transitórias porque uma mente saudável sempre quer aperfeiçoar-se, sublimando as emoções e por conseguinte errando menos o que sem dúvida lhe dará mais equilibrio e justeza nas acções. Dizia eu no inicio deste texto que a cosmogonia antiga dá como elemento criador a Palavra, a ser rigoroso isso só será verdade numa época relativamente avançada e madura da humanidade porque os mitos/símbolos mais antigos de que há memória ou que conseguimos intuir pela arte remanescente sublevam o acto sexual e a fecundação como elemento principal na criação, exemplo o Céu fecundar a Terra ou a crença de que os rios Sumérios Tigre e Eufrates seriam o sémen da divindade. É a sublimação da alma humana. Num periodo primitivo o ser humano vive apenas dos seus instintos de conservação e procriação, enquanto que à medida que vai amadurecendo a sua percepção se torna mais fina e aprende formas cada vez mais complexos que lhe permitem comunicar e conhecer, transmitindo ideias, definindo conceitos e aproximando-se um passo mais do grande mistério que é o EU.